António Guterres fala à Rádio ONU em entrevista à Rádio ONU em outubro. Foto: Eleutério Guevane
Nesta segunda-feira, 12 de dezembro, a Assembleia Geral da ONU assistirá à cerimônia de juramento do próximo líder da organização: o ex-primeiro-ministro de Portugal, António Guterres.
No mesmo evento, as Nações Unidas devem se despedir do homem que ocupou o posto pelos últimos 10 anos: o sul-coreano Ban Ki-moon.
Numa eleição considerada histórica, em outubro, António Guterres obteve unanimidade na recomendação de seu nome pelo Conselho de Segurança sendo escolhido, uma semana depois, por aclamação no fórum de todos os países-membros: a Assembleia Geral.
Seleção
Foi a primeira vez também que um candidato a secretário-geral submeteu-se a um processo público e inclusivo de seleção.
As sete mulheres e seis homens que disputaram o posto participaram de apresentações e debates televisionados seguidos logo depois de entrevistas com os correspondentes que cobrem a ONU.
A candidatura de Guterres também foi acompanhada com atenção pelo mundo em língua portuguesa, uma rede que inclui 260 milhões de falantes de norte a sul, leste a oeste do globo.
Em pouco mais de três semanas, quando entrar no prédio do Secretariado para ocupar o seu novo gabinete, Guterres levará consigo uma bagagem quase ímpar em termos de administração. Ele passou uma década à frente da Agência da ONU para Refugiados, Acnur, o posto que assumiu em 2005, apenas três anos após deixar o Governo de Portugal como primeiro-ministro do país.
Guterres tem ainda uma larga experiência como legislador no Parlamento português, onde serviu por vários mandatos. Analistas políticos afirmam que ele sempre se destacou pela capacidade de formar consensos e obter resultados concretos.
Enchentes
Engenheiro de formação, Guterres começou a se interessar pelo serviço público ainda jovem. Em 1967, com apenas 18 anos, apresentou-se como voluntário para socorrer vítimas de enchentes em Lisboa.
Ainda criança, passava férias na pequena aldeia de Donas, no Concelho do Fundão, em Portugal. No vilarejo a cerca de 200 km de Lisboa, onde viviam os avós maternos. Os vizinhos mais antigos contam que o menino António conhecia as pessoas pelo nome, e gostava de saudá-las com respeito e atenção.
Esta naturalidade no relacionamento com o próximo aliás chamou a atenção também dos embaixadores no Conselho de Segurança durante a campanha para chefiar a ONU.
Um deles, o representante da Rússia, Vitaly Churkin, afirmou em 6 de outubro: "Ele fala com todos, ouve a todos, diz o que pensa, é uma pessoa muito aberta".
Um contemporâneo de António Guterres e amigo de longa data foi perguntado pela Rádio ONU sobre o significado da eleição dele para o posto. Marcelo Rebelo de Sousa, atual presidente de Portugal, explicou assim o sucesso de Guterres: "Ele foi sempre o melhor de todos nós, na sua inteligência, no seu brilho, na sua humildade, na sua capacidade de serviço, no seu sentido social, na sua abertura à humanidade."
Refugiados
Durante os anos em que esteve à frente do Acnur, António Guterres também buscou colocar as pessoas no centro da estratégia da agência. Deslocou-se a vários campos de refugiados para ouvir de perto as vítimas de conflitos e guerras.
Guterres saía dos acampamentos, às vezes, diretamente para reuniões no Conselho de Segurança, onde relatava os horrores enfrentados por aqueles que tinham de fugir de suas casas.
Numa dessas ocasiões, ele contou à Rádio ONU que a solução era política e não humanitária. "Há que reconhecer com humildade que nós humanitários não resolvemos o problema. Nós mitigamos o problema. O problema só tem uma solução que é política. E essa solução só o Conselho de Segurança pode criar as condições para que ela se concretize."
Nesta segunda-feira, o ex-primeiro-ministro de Portugal voltará à sede da ONU. Desta vez, para prestar juramento no cargo que deverá desempenhar pelos próximos cinco anos.
E segundo ele, o mundo precisa adotar um "impulso muito forte à diplomacia para a paz", uma estratégia ampla e fortalecida na prevenção dos conflitos.
Herança portuguesa
Guterres acredita que a sociedade atual não pode ser mais pensada sem seus aspectos multiétnicos, multireligiosos e multiculturais. Esta é uma área, onde o próximo líder da ONU sente-se à vontade pela sua própria história, como ele mesmo explicou ao definir sua herança portuguesa:
"Se alguma coisa é verdadeira na história de Portugal é esta lógica de ser uma permanente encruzilhada de civilizações", declarou nesta entrevista. O novo chefe da ONU afirma que ser português também lhe ajuda a "compreender as diferenças, a compreender que todos têm alguma coisa importante a dizer e que todos têm que ser ouvidos para que o mundo possa progredir de forma positiva".
A partir de 1º de janeiro, António Guterres estará de novo no centro desta "encruzilhada de civilizações" desta vez não de forma aleatória como diria o escritor peruano, Mario Vargas Llosa, ao definir o local de nascimento de alguém, mas por escolha do próprio Guterres e pela decisão dos países-membros da ONU pelo nome dele.
Um novo caminho de esperança para o "menino de Donas" que chega agora ao mais alto posto da diplomacia mundial: o de secretário-geral das Nações Unidas.