Cabo de Santo Agostinho (PE) — Quatro rostos diferentes com histórias muito semelhantes: a luta diária para sobreviver, seja da pesca, às vezes do turismo, mas há dois meses prejudicados por um óleo que ninguém é capaz de dizer por exato de onde veio, nem se voltará. Juntos na batalha para retirar do local que lhes serve de ganha-pão o piche que tem alardeado e afastado os compradores do que eles têm de melhor para oferecer: frutos do mar.
Severino Ramos da Silva, 33, vive unicamente da pesca de peixes, mariscos, ostras, caranguejos, a fauna do rio Massangana. É assim que sustenta a casa, onde vive com outras cinco pessoas — a mãe, o irmão, a irmão e duas sobrinhas.
“Minha mãe recebe R$ 140 de cesta básica e mais R$ 300 de aluguel de uma casinha que ela aluga para o meu irmão. Mas não é sempre que ele consegue pagar”, contou Ramos ao HuffPost enquanto aguardava a maré baixar para se juntar a outros voluntários na limpeza do estuário onde exerce sua atividade.
O pescador e marisqueiro relatou que, em sua casa, a única coisa servida na mesa no último mês são peixes e mariscos. “Não vendo nada há semanas. Ninguém compra. O que minha mãe recebe não dá pra nada. Pagamos a água e a luz, pra não ficar sem, compramos uma farinha. Contamos com a ajuda de amigos. Mas é todo mundo pobre aqui”, desabafou apontando em volta, para os amigos de uma vida que, como ele, se juntam à luta de salvar o manguezal.
Todos os dias, ele se dirige à tenda da Defesa Civil no hotel Vila Galé, em Cabo de Santo Agostinho, ao sul de Recife, pra integrar a equipe de voluntários. “Já não adianta sair pra pescar, porque ninguém está comprando. As pessoas estão com medo da contaminação. O jeito é limpar o mangue e ver se conseguimos tirar as ostras e os caranguejos que ficam nas raízes das árvores e convencer as pessoas de que tudo está bem. Nós comemos esses frutos do mar. Os mariscos, que ficam no fundo, nos bancos de areia, os peixes... Está tudo limpinho.”
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O estuário do rio Massangana fica em Cabo de Santo Agostinho, cujas praias paradisíacas foram atingidas pelo óleo que, conforme dados do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente), já chegou a 494 localidades dos nove estados nordestinos e no Espirito Santo. Cartão-postal de Pernambuco, logo um mutirão de voluntários e equipes do governo se reuniram na limpeza de forma que o prejuízo ao comércio e ao turismo no local fosse o mínimo possível. Ainda assim, a Associação Brasileira de Indústria de Hotéis em Pernambuco (ABIH-PE) destaca uma leve queda, entre 3% a 4%, nas reservas para os próximos meses.
Acontece que esse petróleo, que começou a ser registrado no fim de agosto, entrou no estuário do rio Massangana e alcançou o manguezal. E o efeito na vida das pessoas tem sido tão grande quanto a catástrofe ambiental.
Prometeram umas marmitas pra gente. Chegou? Só no primeiro dia. A gente passa o dia todinho sem comer e fazendo o trabalho pesado. Porque você viu. A Marinha vem, faz uma busca mequetrefe, fica umas horinhas aí, e diz que não tem nada. Não tem nada? Vai lá no mangue olhar direito pra ver.Vandécio Santana, pescador e voluntário
Uma crise social
Severino é apenas um exemplo do que se vê ao conversar com moradores do município. Dia após dia, Admar Sebastião de Sena, 39, também auxilia na limpeza do mangue. “Sou pescador desde que me entendo por gente. Aos 10 anos, já pegava mais mariscos que minha mãe.” Em sua casa, quatro pessoas dependem dele para comer e ainda tem o filho, que recebe mensalmente a pensão. Sem opção, ele apelou também para atividades turísticas no período em que não se pode pescar na região, o chamado defeso - época de reprodução dos peixes.
Há três meses, Sena foi demitido de uma empresa de dragagem na qual trabalhou por sete. Somente no início de novembro, deu entrada no seguro desemprego, quando acabaram suas economias. “Porque pobre é assim. Tem que ter estratégia.” Em dezembro, deve passar a receber cerca de R$ 1,5 mil, que vai usar para pagar cartão, as contas de água e luz, a pensão, fazer “a feira”. “E ainda tenho que arrumar meu motorzinho para fazer os passeios aqui fora”, disse, referindo-se ao barco que usa para mostrar a região próxima a turistas que passeiam por Cabo de Santo Agostinho.
Vandécio Santana, 36, também pesca e faz passeios turísticos. É outro na corrida diária pela limpeza do manguezal. “Cheguei a pegar óleo com a mão cheia. E cadê Marinha, cadê essa estrutura toda que estamos vendo aqui? Só chegaram agora, depois que o pior já passou”. Ao contrário dos demais, desconfia dos mariscos e peixes da região e diz que podem sim estar contaminados. “As raízes do mangue estão todas cheias desse piche. A gente está tirando tudo na unha.”
A qualidade do pescado do Nordeste
Na segunda-feira (11), o Ministério da Agricultura divulgou uma nota segundo a qual os peixes de áreas atingidas por óleo no Nordeste podem ser consumidos. O comunicado informou somente que as amostras foram colhidas nos dias 29 e 30 de outubro na Bahia, no Ceará, em Pernambuco e no Rio Grande do Norte, e enviadas para análise do Laboratório de Estudos Marinhos e Ambientais da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro).
O HuffPost questionou o ministério sobre a metodologia adotada, como se deu a escolha dos locais de recolhimento, a quantidade de pescados analisados. Solicitou ainda uma conversa com algum dos especialistas que fez a análise ou técnico do ministério que esteja acompanhando o assunto para mais detalhes.
Em resposta, a pasta disse: “Foram realizadas coletas de pescados capturados na região atingida recebidos nos estabelecimentos com registros no Serviço de Inspeção Federal (SIF), cujos resultados não revelaram risco para o consumo humano. O Ministério da Agricultura apenas divulgou para dar publicidade aos primeiros resultados obtidos das espécies que chegam no SIF. Essas garantias dadas pelo Ministério da Agricultura referem-se, exclusivamente, ao pescado oriundo do Serviço de Inspeção Federal. Ressaltamos que as coletas continuam para o monitoramento e caso seja identificado eventual risco, o mesmo será comunicado à sociedade”.
Isso significa que pescados artesanais, que saem das mãos da população costeira direto para a mesa, não foram alvos do teste, apenas aqueles que passam por empresas, esses sim registrados no SIF.
O Ministério da Agricultura chegou a suspender a pesca de camarão e lagosta do Nordeste. A ministra Tereza Cristina até questionou a qualidade dos pescados e disse que não estavam “apropriados ao consumo”. Mas recuou da decisão em seguida.
A UFBA (Universidade Federal da Bahia), o último estado nordestino atingido pelas manchas de petróleo em maior quantidade e intensidade, já solicitou que o governo decrete estado de emergência em saúde pública, o que está descartado pelo Ministério da Saúde.
O óleo que chegou ao Nordeste é formado por hidrocarbonetos, entre eles o benzeno, altamente cancerígeno. Embora reconheça os danos da substância, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirma que não há elementos para corroborar os prejuízos à saúde.
Segundo Vandécio Santana, além do trabalho pesado, as pessoas não têm o que comer enquanto limpam o mangue. “Prometeram umas marmitas pra gente. Chegou? Só no primeiro dia. A gente passa o dia todinho sem comer e fazendo o trabalho pesado. Porque você viu. A Marinha vem, faz uma busca mequetrefe, fica umas horinhas aí, e diz que não tem nada. Não tem nada? Vai lá no mangue olhar direito pra ver”, desabafou.
André dos Santos, outro que trabalha com pescado, mas também aposta na atividade de guia turístico na época do defeso, está há um mês sem vender mariscos e pescando só para comer. Sua esposa, Carla, professora, é quem tem segurado as pontas em casa, mas segundo ele, os salários começaram a atrasar.
Impacto de norte a sul de Pernambuco
Do outro lado, no litoral Norte, Severino Barbosa, 53, tentava vender caranguejos a R$ 1 na beira da PE-49, que dá acesso às praia de Catuama e Ponta de Pedras, também atingidas pelo óleo. O caranguejo barato de seu Bita, como é chamado na região, contudo, estava encalhado. Eram 13h daquele sábado, 2 de novembro, o primeiro feriado após o petróleo chegar com força a Pernambuco - o que ocorreu em meados de outubro -, quando a reportagem do HuffPost passou pelo quiosque de madeira e telhado de palha. Até aquele momento, o pescador só tinha faturado R$ 10.
“As pessoas estão com medo. Aqui onde eu pesco, naquele lugar ali [apontando com o dedo, o riacho que chama de Carrapicho], não tem nada, não chegou absolutamente nada [de óleo]. Mas quase ninguém quer comprar”, desabafou. Em um fim de semana normal, seu Bita chega a vender mais de R$ 400.
O HuffPost encontrou também Amaro José Ramos da Silva, outro pescador que tem sido impactado diretamente pelo óleo que atingiu o Nordeste e já está no Espírito Santo. Desde setembro, contou, tem vendido menos de 50% que de costume. “Fazemos pescaria artesanal e aqui vem tudo: lagosta, cioba, manzuá, guaroupa. Mas este ano está complicado por causa desse piche aí. Está faltando já para pagar as contas.” Segundo ele, no ano passado, não recebeu o seguro defeso e aguarda o pagamento neste ano.
O Ministério da Agricultura prometeu o pagamento de uma parcela extra do seguro defeso aos trabalhadores afetados pelo vazamento do óleo. O seguro é um benefício pago aos pescadores impossibilitados de exercer suas atividades no período de reprodução das espécies, o defeso, quando a pesca é proibida.
Pra piorar a situação de todos eles, em Pernambuco, só quem pesca camarão e lagosta tem direito ao seguro defeso. O governo de Pernambuco diz estar cadastrando os pescadores e marisqueiras para um futuro pagamento, mas ainda não se sabe quando essa situação será regularizada
Segundo o G1 Pernambuco, houve manifestação na sede do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) de Recife na tarde desta terça-feira (12) por conta do não pagamento do benefício. O HuffPost tentou contato com o INSS, mas não obteve retorno.
Seguindo viagem, já na beira da praia Ponta de Pedras, mais reclamações, agora de comerciantes. O Bar do Boneco, do João Batista da Silva, 59, estava com 3 mesas ocupadas na tarde em pleno feriado. “Em feriado chega até ônibus de excursão aqui. Você olha a praia e só vê as cabeças [das pessoas] por cima. Nunca teve tão pouco movimento”, destacou o dono do restaurante há 25 anos, que estima uma queda de mais de 60% no movimento.
O peixe, antes prato da casa, perdeu espaço para o arrumadinho (arroz com feijão e verduras), as batatas fritas, frango e petiscos que não contenham frutos do mar. “Pessoal já chega perguntando do piche.”
Em outro ponto da Ponta de Pedras, João Faustino dos Santos, 62, e Diva Maria da Silva, 57, nem têm aberto o Bar da Canoa Grande todos os dias. “Só de transporte é R$ 5 pra ir e mais R$ 5 pra voltar pra cada um. Hoje mesmo [sábado, 2/11], até agora [15h], ninguém sentou aqui. Ninguém!”, lamentou Faustino, pai de quatro filhos, todos criados à beira do mangue em Tejucupapo, no município de Goiana, Pernambuco. ”É a terra das heroínas, filha. E não é à toa. Estamos aqui desde 7h. Dá vontade de fechar o bar e ir-me embora”, completou Diva Maria.
Em um fim de semana comum, antes da chegada do óleo à costa brasileira, o casal tirava cerca de R$ 600 aos sábados e até R$ 1 mil aos domingos.
Ameaça iminente
De acordo com a Marinha, a maior parte das localidades que o petróleo atingiu está sem vestígios, mas ainda há em Mamucabinhas, em Pernambuco; Japaratinga, Barra de São Miguel, Coruripe, Feliz Deserto e Piaçabuçu, em Alagoas; Cairu, Maraú e Guaiu, na Bahia; e Guriri, no Espírito Santo.
Acontece que o próprio ministro da Defesa, Fernando Azevedo, disse na semana passada que não há como afirmar quanto óleo ainda há submerso - devido à densidade do material, ele não boia e, por isso, também não é visível por satélites.
É também por isso que os pescadores e marisqueiros que o HuffPost encontrou estão receosos. Sem saber onde e quanto óleo ainda há, nem eles nem ninguém sabe se há petróleo no fundo do oceano e dos rios, por vir, ou se a ameaça já passou.