Imprevisível. Esta é a palavra que melhor descreve a política brasileira, especialmente nos últimos anos. A menos de um mês do primeiro turno das eleições presidenciais, um atentado ao candidato que recém havia assumido a liderança nas pesquisas deu um componente trágico que muda os rumos de uma campanha — que já não tinha um trajeto esperado.
O fato de Jair Bolsonaro, candidato do PSL, considerado ultraconservador, ter sido esfaqueado em um ato de campanha na última quinta-feira (6) por um "militante de esquerda" acirra a polarização entre direita e esquerda no País.
Cinco dias antes do atentado, era o candidato da esquerda quem despontava na corrida presidencial. Preso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva brigava para conseguir o direito de concorrer à Presidência do País. O TSE (Tribunal Superior Eleitoral), entretanto, barrou sua candidatura e deu 10 dias para que o partido indicasse outro nome.
Sem Lula na disputa, Bolsonaro aparecia em primeiro lugar nas pesquisas, mas também perdia em todos os cenários do segundo turno, com exceção de quando o cenário era contra o petista substituto de Lula, Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo.
As apostam, até então, se davam sobre quem iria com Bolsonaro para o segundo turno. Isto porque sem os principais representantes da polarização - que também são os que ostentam os maiores índices de rejeição - , há 3 candidatos empatados em terceiro lugar, a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede), o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT) e o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB).
Além de tentarem mudar a cabeça dos eleitores do PT e de Bolsonaro, os 3 miravam no voto dos indecisos, que somam 28% do eleitorado. Com Lula barrado e o atentado a Bolsonaro, as campanhas quebram a cabeça para traçar uma nova estratégia.
O candidato do PSL era principal alvo de Alckmin, que trazia peças eleitorais na quais apontava o discurso de Bolsonaro favorável ao armamento da população e ao tratamento machista em relação às mulheres. "Não é no tiro que se resolve", dizia uma das peças do tucano.
Polarização
O discurso de ódio, ao qual Bolsonaro flerta, e o discurso de medo, que foi base na campanha de reeleição do PT em 2014, estão sendo considerados por especialistas os principais fatores para explicar a imprevisibilidade dos capítulos da política brasileira.
Em artigo enviado ao HuffPost Brasil, o cientista político da Universidade Mackenzie, de São Paulo, Rodrigo Augusto Prando, destaca o nível dos discursos dos candidatos brasileiros, considerados um tom "acima do aceitável", com ataques pessoais e desrespeito aos adversários, desde 2014, quando Dilma Rouseff venceu Aécio Neves (PSDB).
"Na guerra, há inimigos, que devem ser eliminados; na política, há adversários e, neste caso, há necessidade de convivência, do debate, do convencimento. O respeito deve prevalecer, pois, na democracia, o adversário hoje pode ser o aliado amanhã", escreveu.
Esse entendimento sobre política não tem prevalecido. Quando Dilma deixou o comando do País, assumiu Michel Temer (MDB), vice da petista, mas aliado a parlamentares de oposição e insatisfeitos com a gestão que estava em andamento.
Naquele cenário de manifestações políticas e crescimento de movimentos de direita, Temer não foi capaz de promover diálogo no País. Dedicou a maior parte de seu governo a se defender de acusações, apesar de o desejo de se promover como um governo reformista.
Seu governo foi tão alvejado, engrossando a lista de episódios surpreendentes da política brasileira, que até a Netflix, no auge do sucesso de House of Cards, reconheceu que o Brasil não é para amadores e que é difícil competir com os roteiristas da política brasileira.
É como quem espera a nova temporada de uma série que estão os brasileiros. Atentos ao desenrolar do que vem pela frente dois anos depois de a então presidente do País sofrer um impeachment, em um processo ainda questionado, com o País governado por um presidente que bate recorde de impopularidade, e em um cenário em que o principal candidato foi impugnado, o outro sofreu um atentado e ninguém sabe quais serão as cicatrizes desse trauma.