Em 31 de março de 2017, Su Tonani veio a público no blog #AgoraÉQueSãoElas, da Folha de S.Paulo, para expor um caso de assédio sofrido enquanto trabalhava como figurinista de uma novela da Rede Globo.
O assediador? Um galã, rosto conhecido há décadas na televisão brasileira, José Mayer.
De lá para cá, Tonani foi alvo de comentários nas redes e sua história seguiu protocolos comuns a outros casos de mulheres que quebram o silêncio para falar de assédio: ela era a amante, a oportunista, a mulher que precisava chamar atenção ou simplesmente que estava se vingando do homem rico e bonitão.
Ainda, um texto publicado na coluna de Leo Dias afirmava que Tonani e Mayer tiveram um caso extraconjugal antes da denúncia do assédio e que, por isso, ela teria desistido de dar continuidade ao processo de denúncia.
"A intimidade entre eles sempre foi de conhecimento de todos no antigo Projac", escreve Dias.
Estes comportamentos questionam a veracidade da denúncia feita por Su Tonani e faz com que outras mulheres sintam-se coagidas a expor seus assediadores.
Nesta sexta-feira (5), Tonani voltou a escrever no blog.
No texto Me deixem deixar de ser vítima: me deixem voltar a ser eu, a mensagem dela é ainda mais clara: "Quantas vezes terei de pedir para respeitarem o meu não?"
Isto porque, após a denúncia, ela afirma que não seguiu o comportamento esperado pelo sistema patriarcal, mas preferiu o silêncio.
"Eu fui vítima de assédio sexual. E agora estou sendo vítima novamente. Das especulações que colocam dúvidas sobre a minha dor. E me fazem revivê-la", argumenta.
No texto, ela diz que se sente "interrogada inescrupulosamente" e esclarece algumas informações que circularam a seu respeito.
Ela afirma que nunca havia sido amante do ator, que não foi demitida da Globo e que não fez nenhum tipo de acordo envolvendo valores com a empresa.
Ainda, algumas pessoas contestaram a sua "desistência" de processar Zé Mayer, mas Tonani explica que nunca retirou a queixa, pelo simples fato de que nunca a fez.
De acordo com ela, o medo e as tentativas frustradas de buscar justiça levaram a figurinista a encontrar no blog da Folha um espaço seguro para fazer a denúncia.
Ela explica que se sentiu vitoriosa quando, no dia 4 de abril, a emissora reconheceu o assédio, pediu desculpas e o ator e publicou uma carta de confissão.
Zé Mayer foi suspenso de qualquer trabalho por tempo indeterminado na emissora. Em carta aberta enviada à imprensa, ele argumenta que errou.
"Mesmo não tendo tido a intenção de ofender, agredir ou desrespeitar, admito que minhas brincadeiras de cunho machista ultrapassaram os limites do respeito com que devo tratar minhas colegas. Sou responsável pelo que faço", escreveu o ator.
Em seu novo desabafo, Tonani explica por que optou pelo silêncio após expor a denúncia.
Para ela, ao expor o assédio, ela se tornou vítima novamente, pois foi alvo de narrativas sensacionalistas que questionavam a veracidade de sua denúncia.
Como tantas mulheres, Su Tonani diz que ao quebrar o silêncio, o machismo deu a sua resposta: "Estou sendo revitimizada pelo machismo que tenta me enfraquecer, me roubar a coragem de lutar."
Ela estímula que outras mulheres levem os seus casos às esferas criminais e cíveis. Mas chama atenção para algo ainda mais importante: o respeito a vontade da vítima.
"Acredito que obtive a justiça que queria e me sinto contemplada. Tive meu desejo desrespeitado uma vez. Isso me fez vítima. Quero deixar de sê-lo e seguir. Será que dessa vez minha vontade será respeitada? O silêncio. É o que eu quero. Não o silenciamento coercitivo. O silêncio que eu escolho. A minha vida de volta."
Ainda, afirma que se sente orgulhosa ao ver que o seu relato serviu de pontapé e empoderou tantas outras mulheres a se posicionarem contra a violência de gênero, como aconteceu com as atrizes globais que endossaram a campanha #MexeuComUmaMexeuComTodas.
"A minha história é a história de uma mulher jovem que não aceitou o assédio de um homem com mais poder que ela. Neste caso, o ator rico e famoso. O Brasil não está acostumado a lidar com este tipo de história. Eu sei. Mas não barateiem a minha história. Até porque ela é de muitas de nós", explica.
E continua:
"Movemos um pouco a estrutura. Agora é segurar o rebite. O revés machista que deseja nos manter nos velhos lugares submissos de sempre. Me sinto vitoriosa. Fizemos grande porque fizemos juntas. Fui ouvida. Fomos. Somos muitas. Demonstramos força. E torço com tudo de mim que saiamos deste ciclo mais confiantes que sim, é possível mudar. Empresas começaram a repensar os protocolos nos casos de assédio. Homens descobriram que o mundo mudou. Falamos de assédio em espaços de poder antes impermeáveis a este debate. Me orgulho de ter contribuído como pude para isso. E agora quero seguir."
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